14.08.14

Oi. Eu tenho depressão diagnosticada desde os doze anos de idade, e meu tratamento desde então tem sido irregular porque a minha família não aceita que doenças psiquiátricas são doenças de verdade, e eu nem sempre consigo manter uma renda suficiente pra isso.

Mas vim aqui pra relatar a minha longa experiência, porque eu queria que entendessem que não é "só uma fase" e não é só "arrumar trabalho que passa", e não é "só tristeza". É um processo crônico, complexo, e cruel.

TW (Trigger Warning): Suicídio, depressão, estupro, alcoolismo, self-harm
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Tudo começou com uma época muito ruim perto dos meus doze anos onde muitas coisas ruins aconteceram. Até aí a minha vida era "legal" - não boa, nem ruim, mas aceitável dentro dos parâmetros de uma criança -, e logo após desabou. Pessoas morreram, mudanças drásticas de rotina, enfim: tudo que nos afeta, mesmo depois de adultos.

No começo eu achei que ia passar. Achei que todo aquele desespero ia desaparecer quando as coisas melhorassem, e que era só pelos problemas que tinham acontecido. Eu achei que a minha vontade de me matar, ainda tão nova, e o medo e a mágoa do mundo eram passageiras. Mal sabia eu que aqueles problemas tinham sido o gatilho pra uma doença muito mais complexa.

No início era só uma tristeza profunda sem justificativa, e eu me escondi nos mundos dos jogos numa tentativa inútil de encontrar algum sentido pra tudo aquilo. Numa tentativa de ser alguém que eu nunca seria capaz de ser do lado de fora daquela tela. Numa tentativa de encontrar forças, ou ao menos esperanças, pra aguentar aquela fase e superar tudo que me feriu. Era meu meio de tentar dizer que eu era mais do que acreditava.

Não adiantou: conforme o tempo foi passando, e os anos se seguindo, desenvolvi tendências suicidas mais fortes. Eu passei a acreditar, ou a me forçar a acreditar, que o problema era ou eu ou o mundo. E que ou eu era muito ruim pra sequer estar viva, ou o mundo era muito cruel pra se viver.

E passei a transformar aquela dor em ódio. Numa tentativa de me manter seguindo, de justificar porque nada fazia sentido. Porque nada tinha justificativa. Eu odiava as pessoas, os animais, o ar que eu respirava. Me viciei em jogos online na mesma época, porque era um jeito de me manter longe de tudo e descontar a minha raiva em alguma coisa.

Mais tempo, e o ódio pelos outros desapareceu e só sobrou o por mim mesma. Eu não conseguia mais ter forças de acreditar que o mundo podia estar errado. Era eu, claro. Só podia ser eu. Eu não era boa, eu não era capaz, eu não nada. Eu devia morrer. Eu devia sumir. Eu devia PELO MENOS ficar sozinha. Porque quando morresse ao menos não ia incomodar. Porque enquanto vivesse não merecia nada de bom, e não fazia sentido fazer os outros perderem o tempo deles comigo.

Foi então que eu comecei a me isolar e afundar cada vez mais. A afastar tudo e todos, me trancando numa casca que às vezes abria e deixava escapar um pedacinho de mim. Às vezes eu desabafava algum problema com alguém, pra logo em seguida pedir várias desculpas e me agredir escondida, me cortando ou me batendo, repetindo que eu era um peso e não devia incomodar ninguém. As tentativas de suicídio aumentaram, e só não tive sucesso porque eu ainda queria viver, lá no fundo, e alguém acabava descobrindo e me socorrendo ou me impedindo. Eu acho que ainda tinha esperança em dias melhores. Ou que a minha tentativa de fingir ser "forte" deu tão certo que as pessoas passaram a precisar de um apoio.

E essa "fraqueza" me fazia me odiar ainda mais, e me agredir ainda mais. Porque não só minhas tentativas tinham sido frustradas - o que significava que eu não prestava NEM pra morrer -, mas eu ainda tinha atrapalhado outra pessoa. Esse ciclo se manteve por anos, enquanto eu fui perdendo a força de manter o meu escudo e a minha mentira, e fui demonstrando cada vez mais a minha parte afetada pela depressão.

Nessa época eu virei alcoolatra. Bebia todos os dias, escondida, pra dormir sem chorar. Pra fingir que era "normal".
E demorei mais de dois anos até pedir ajuda e conseguir largar esse vício. Esse e o cigarro, que tinha começado pouco tempo antes. Eu nunca contei isso pra ninguém.

Nesse meio termo eu fui estuprada. Parte pelo alcoolismo, parte porque eu não me importava mais comigo mesma. E toda essa vontade de morrer, todo esse meu ódio por mim mesma, pareceram ainda mais reais. Eu era, além de tudo, suja e um monte de restos de gente que não servia nem pra uma foda decente.

Eu não merecia respeito nem na hora de ter as minhas pernas abertas.

Muita gente não aguentou essa minha fase e sumiu da minha vida. Muita gente não soube lidar com as minhas tentativas de suicídio e me falaram coisas terríveis que eu nunca vou superar, porque só confirmaram todo o ódio que eu tinha por mim. Confirmaram que eu era o que pensava e merecia o que fazia.

"Não se mata aqui porque vai dar problema pra mim."

"Isso é falta de pica."

"Você é maluca e devia morrer, mesmo."

Eu entrei, então, numa fase de apatia, que é onde me encontro agora, aos vinte e um anos de idade, quase terminando uma faculdade de medicina. Eu vivo a vida dos sonhos de muita gente.

Mas as coisas pararam de fazer sentido há muito tempo. Não tenho motivo pra comer, nem pra deixar de comer. Não tenho motivo pra ir, nem pra deixar de ir. Não existe razão que me incentive a fazer nada. Porque nada é legal.

Eu perdi o prazer nas coisas que sempre fiz, perdi o prazer nos meus hobbies e até mesmo na faculdade. Não consigo mais aproveitar a vida, porque tudo é sem cor. Não existem coisas que me animem. Não genuinamente, não que durem, não que sejam mais do que um momento de distração da minha própria miséria.

Eu finjo. Mesmo quando desapareço por meses porque não consigo levantar da cama, eu finjo. Mesmo quando fui parar no hospital porque tentei me matar, eu fingi. Fingi que tinha viajado, fingi que estava tudo bem.

Porque não quero ouvir todas aquelas coisas ruins de novo, porque eu não tenho motivo pra não fingir, porque no final eu não sirvo nem pra me matar.

Porque até quando eu penso nisso eu penso no quanto minha família está gastando pra me manter aqui. E no quanto eu devo, ao menos como uma última tentativa de provar que eu não sou tão ruim, poupá-los de virem até aqui esvaziar esse apartamento.

Então tudo que eu faço é viver, dia após dia, esperando a morte chegar, ou esperando o dia em que vou ser completamente independente e vou poder ir atrás dela por mim mesma. E me castigando, quando consigo força, pra ver se ao menos a dor me lembra que eu ainda estou viva. Pra me distrair da minha miséria do mesmo jeito que os jogos faziam, anos e anos atrás.

Até lá eu vivo num mundo sem cor, e ciente - como futura médica - que isso é uma doença séria, que merece tratamento, e que ainda pode piorar. Porque sempre pode piorar.

Mas sem forças até pra me dar razão e me ajudar. Porque sabe de uma coisa?

Eu sinto que eu não valho mais a pena, e me provaram que isso é verdade. Que a única coisa boa em mim é quando eu me esqueço, porque eu não sirvo, e me faço de degrau pros outros subirem as escadas das vidas deles

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